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‘Faltam funcionários, material…até algodão!’, lamenta mãe de bebê internada

Num intervalo entre escândalos, rotina no Himaba é de escassez e sofrimento de funcionários e pacientes

“Na unidade em que eu estou, cada técnico de enfermagem pode cuidar de quatro crianças, para que tenha condições de se recuperar. Acontece que cada técnico tem atendido em torno de seis crianças. Faltam técnicos e eles não conseguem fazer tudo o que precisam, por estarem sobrecarregados. Eles ficam estressados e não conseguem o mínimo de atendimento humano com as crianças. As crianças ficam chorando demais”. 

O relato é da mãe de uma bebê internada no Hospital Infantil de Vila Velha (Himaba) para a realização de uma cirurgia. Bem-sucedida na operação, a família aguarda a bebê ganhar peso para ter alta e, enquanto isso, atravessa com pesar, mas  também com fé e grande sentimento de solidariedade às centenas que, igualmente, vivem dias tão difíceis. 

Internar uma criança recém-nascida já é, por si só, uma experiência extremamente delicada, que demanda, de todos que assistem a família, uma dose grandiosa de humanidade, compaixão, serenidade e excelência profissional, para que as condições estruturais e técnicas do hospital garantam a melhor recuperação possível, e para que o coração das famílias receba o acolhimento merecido. 
Mas, e quando essas condições mínimas não são asseguradas? A qual potência pode ser exacerbado o sofrimento dos pequenos pacientes e de suas famílias? E o que dizer dos funcionários, que vivenciam essa desumanidade todos os dias, sofrendo eles próprios os impactos de tamanha ineficiência de gestão? 
Pediu-nos anonimato a mãe que relata sua jornada nesses dias no Himaba. Dias transcorridos num intervalo entre tantos escândalos já noticiados no hospital, no governo passado, todos resultados de desvio de recursos por parte das Organizações Sociais (OSs) que o administram – incluindo a atual, Gnosis, com sede no Rio de Janeiro.
Pediu anonimato porque, no auge de sua fragilidade como mãe e cidadã, teme, solidariamente, por consequências ruins contra os funcionários que lhes têm prestado atendimento, o melhor possível, garante ela, diante do quadro de escassez a que o Hospital tem sido submetido. 
“Os funcionários são repreendidos. Por exemplo: faltou algodão. Mas eles não podem falar, têm que dar alguma desculpa. Faltou água esterilizada. A gente disse que poderia comprar, mas a funcionária foi repreendida porque falou pra gente. E ela não veio trabalhar no dia dela depois disso, a gente não sabe porquê”, conta a mãe. 
Moradora do interior do Estado, a família tem se dividido. O companheiro está em casa de amigos na Grande Vitória e ela tem dormido no hospital. A prolongada estadia no Himaba lhe revelou outras fragilidades da gestão: “A estrutura física do lugar está precária. A cadeira onde as mães ficam sentadas para dormir à noite acompanhando os filhos, a maioria está quebrada, não deita, não levanta. Não tem condições das mães ficarem ali. Os aparelhos que medem os sinais vitais dos bebês estão quebrados, tem que ficar segurando um pino. Os berços, as incubadoras, estão com sensor quebrado, ficam apitando dia e noite no ouvido da criança. A higiene dos banheiros é ruim. É só um banheiro para trinta mães. Faltam funcionários também para limpeza. A refeição na cozinha é péssima. Só servem café com pão no café da manhã e da tarde. Almoço é arroz feijão, carne e salada, todo dia. À noite, um mingau bem ruim. Como uma mãe que amamenta pode nutrir sem filho com essa refeição?”, relata. 
“Os funcionários não conseguem fazer seu horário de almoço direito, não têm tempo de descanso, têm que almoçar em dez minutos, engolir a comida, como eles falam, para chegar a tempo de atender os pacientes. O pé de uma funcionária, eu vi, todo inchado, porque não tinha parado nenhum minuto para descansar. O estresse no olhar. A preocupação com tudo isso…”, descreve. 
Os bebês também não fazem as refeições adequadamente, observa: “as dietas atrasam todos os dias. Todos os dias as crianças se alimentam atrasados, porque eles não conseguem dar as dietas no tempo que deveria, por serem poucos”. 
As histórias se multiplicam em cada baia de internação. “Uma mãe relatou que estava internada esperando o remédio dela chegar. Ela estava esperando há vários dias, então o marido foi na direção do hospital questionar. Percebendo que ele não era um ignorante, tomaram providência, pediram o remédio”, conta.
As más condições prolongadas de trabalho, aponta, provocam problemas ainda mais graves: “O cansaço dos funcionários e esse estresse fazem acontecer trocas de remédios. Aconteceu aqui no leito vizinho ao nosso, e a criança voltou pra UTI devido à troca de medicamento”. 
Consciente da gravidade da situação, ela planeja levar os fatos ao Ministério Público. “Não só por mim, mas por todos”, afirma. 
Escândalo 
Em maio de 2018, Século Diário publicou com exclusividade denúncia feita pelo Sindicato dos Trabalhadores da Saúde do Espírito Santo (Sindisaúde-ES) sobre a morte de quase trinta bebês internados na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (Utin) do Himaba em menos de três meses, entre outubro e dezembro de 2017.

De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, boa parte por infecção generalizada. A documentação relacionada às mortes foi levada pelo Sindsaúde ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Também foram denunciados, nesse período, falta de medicamentos, extinção da classificação de risco (espécie de triagem para organizar o atendimento), superlotação, pacientes com doenças contagiosas sem isolamento, paralisação no atendimento de algumas especialidades, falta de estrutura, com pessoas internadas nos corredores; dívidas com fornecedores e trabalhadores; contratação de profissionais sem experiência e a baixos salários, repasses retidos por apresentar relatórios de prestação de contas inconsistentes; e até problemas com racionamento de comida.

Terceirização teve início há três anos

O processo para terceirização da gestão do Himaba teve início em abril de 2017, governo Paulo Hartung, com o lançamento do Edital 001/2017, da Secretaria de Estado de Saúde (Sesa). Depois, o Ministério Público Estadual (MPES) ingressou com ação civil pública pedindo anulação do certame, até que o Estado adotasse as providências necessárias para sanar as irregularidades. O pedido foi acatado pelo juiz Aldary Nunes Júnior, da Vara de Fazenda Pública de Vila Velha, que determinou a suspensão do edital.

A Sesa alegou que sanou essas irregularidades e o processo prosseguiu e, proclamado o resultado. O sindicato e o conselho gestor do hospital protocolaram nova denúncia no Ministério Público em virtude das irregularidades cometidas pelo Instituto de Gestão e Humanização (IGH) em outros estados.

‘Seis por meia dúzia’

Foi anunciado um novo contrato para administração da unidade, dessa vez, com o Instituto Gnosis, outra Organização Social (OS) que já responde, porém, a uma série de irregularidades no Rio de Janeiro, como desvio de verbas e superfaturamento em preços de remédios em média de 117%, que somam um prejuízo de cerca de R$ 10 milhões.
“Ao retirar uma OS acusada de irregularidades e prejuízos de mais de 37 milhões ao Estado e anunciar a contratação de uma outra que já causou prejuízos em outro estado, o governo Casagrande trocou seis por meia dúzia”, alertou, na ocasião, o Sindsaúde-ES.

As investigações sobre o Instituto Gnosis, realizadas pelo Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, verificaram, ainda, que, apesar do repasse de R$ 2,5 milhões, sendo R$ 2,2 milhões em recursos humanos para instalação de uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) pediátrica na Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda, essa ala nunca existiu.

Ao anunciar a rescisão de contrato do Governo com o IGH, o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, explicou que, para que os serviços não fossem paralisados, uma outra OS seria contratada de forma emergencial. Nésio também informação da criação de uma fundação estatal de natureza pública para administrar os hospitais estaduais, mantendo a gestão na mão do governo.

Mais problemas

Em outubro deste ano, o Sindisaúde-ES denunciou as falhas já detectadas no formato da fundação estatal anunciada, a Fundação Estadual de Inovação em Saúde (Inova), que irá gerir, inicialmente, o hospital Antônio Bezerra de Farias, em Vila Velha, por meio de um projeto-piloto, mas que deve se estender a treze hospitais estaduais.

Na ocasião, a presidente do Sindisaúde-ES, Geyza Pinheiro, informou que foi estabelecido no processo de criação da Inova que as contratações seriam por concurso público, mas já foi anunciado que será por meio de processo seletivo simplificado. O Sindicato aponta outras falhas, como a falta do Conselho Estadual de Saúde no Conselho Curador, instância deliberativa maior da Fundação.

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